CONVENÇÃO
INTERAMERICANA SOBRE O DESAPARECIMENTO FORÇADO DE PESSOAS
Aprovada pela Assembléia Geral da Organização dos
Estados Americanos reunida em Belém do Pará, Brasil, em 1994
Os Estados Membros da
Organização dos Estados Americanos,
PREOCUPADOS com o fato de que subsiste o
desaparecimento forçado de pessoas,
REAFIRMANDO que o sentido genuíno da
solidariedade americana e da boa vizinhança não pode ser outro que o de
consolidar neste Hemisfério, dentro do marco das instituições democráticas, um
regime de liberdade individual e de justiça social, fundamentado no respeito
pelos direitos essenciais do homem,
CONSIDERANDO que o desaparecimento forçado de
pessoas constitui uma afronta à consciência do Hemisfério e uma grave ofensa de
natureza odiosa à dignidade intrínseca da pessoa humana, em contradição com os
princípios e propósitos consagrados na Carta da Organização dos Estados
Americanos,
CONSIDERANDO que o desaparecimento forçado de
pessoas viola múltiplos direitos essenciais da pessoa humana, de caráter
irrevogável, tal como estão consagrados na Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e na Declaração
Universal dos Direitos Humanos,
RECORDANDO que a proteção internacional dos
direitos humanos é de natureza convencional coadjuvante ou complementar àquela
que oferece o direito interno e tem como fundamento os atributos da pessoa
humana,
REAFIRMANDO que a prática sistemática do
desaparecimento forçado de pessoas constitui um crime contra a humanidade,
ESPERANDO que esta Convenção contribua para
prevenir, sancionar e suprimir o desaparecimento forçado de pessoas no
Hemisfério e se constitua uma contribuição decisiva para a proteção dos direitos
humanos e o estado de direito,
RESOLVEM adotar a seguinte Convenção
Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas:
ARTIGO I
Os Estados Partes nesta
Convenção comprometem-se a:
a) Não praticar, não permitir, nem
tolerar o desaparecimento forçado de pessoas, mesmo em estado de emergência,
alerta ou suspensão de garantias individuais;
b) Sancionar, no âmbito da sua
jurisdição, os autores, cúmplices e acobertadores do
delito de desaparecimento forçado de pessoas, assim como a tentativa de cometer
o mesmo;
c) Cooperar entre si com vistas a
contribuir para a prevenção, penalização e erradicação
do desaparecimento forçado de pessoas; e
d) Tomar as medidas de caráter
legislativo, administrativo, judicial ou de qualquer outra natureza necessárias
ao cumprimento dos compromissos assumidos na presente Convenção.
ARTIGO II
Para os efeitos da presente
Convenção, considera-se desaparecimento forçado a privação da liberdade de uma
ou mais pessoas, por qualquer forma, cometida por agentes do Estado ou por
pessoas ou grupos de pessoas que atuem com a autorização, com o apoio ou com a
anuência do Estado, seguida da falta de informação ou da negativa de se
reconhecer dita privação da liberdade ou de se informar o paradeiro da pessoa,
impedindo assim o exercício dos recursos legais e das garantias processuais
pertinentes.
ARTIGO III
Os Estados Partes
comprometem-se a adotar, em conformidade com seus procedimentos constitucionais,
as medidas legislativas que forem necessárias para tipificar como delito o
desaparecimento forçado de pessoas, e para impor uma pena apropriada que tenha
em conta sua extrema gravidade. Dito delito será considerado como continuado ou
permanente enquanto não se estabeleça o destino ou o paradeiro da vítima.
Os Estados Partes poderão
estabelecer circunstâncias atenuantes para aqueles que tiverem participado de
atos que constituam desaparecimento forçado, quando os mesmos contribuam para a
aparição com vida da vítima ou forneçam informações que permitam esclarecer o
desaparecimento forçado de uma pessoa.
ARTIGO IV
Os fatos constitutivos do
desaparecimento forçado de pessoas serão considerados delitos em qualquer Estado
Parte. Em conseqüência, cada Estado Parte adotará medidas para estabelecer sua
jurisdição sobre a causa nos seguintes casos:
a) Quando o desaparecimento forçado
de pessoas ou qualquer de seus fatos constitutivos tenham sido cometidos no
âmbito de sua jurisdição;
b) Quando o acusado seja nacional
desse Estado;
c) Quando a vítima seja nacional
desse Estado e este o considere apropriado.
Todo Estado Parte, além
disso, tomará as medidas necessárias para estabelecer sua jurisdição sobre o
delito previsto na presente Convenção quando o suposto delinquente encontrar-se dentro do seu território e sua
extradição não for possível.
Esta Convenção não faculta
a um Estado Parte a possibilidade de empreender no território de outro Estado
Parte o exercício da jurisdição nem o desempenho das funções reservadas
exclusivamente às autoridades da outra Parte por sua legislação interna.
ARTIGO V
O desaparecimento forçado
de pessoas não será considerado delito político para fins de extradição.
O desaparecimento forçado
considerar-se-á incluido entre os delitos que dão
lugar à extradição em todo tratado de extradição celebrado entre os Estados
Partes.
Os Estados Partes
comprometem-se a incluir o delito de desaparecimento forçado como passível de
extradição em todo tratado de extradição que celebrem entre si no futuro.
Todo Estado Parte que
subordine a extradição à existência de um tratado e que receba de outro Estado
Parte, com o qual não mantém um tratado, um pedido de extradição, poderá
considerar a presente Convenção como a base jurídica necessária para a concessão
de extradição por delito de desaparecimento forçado.
Os Estados Partes que não
subordinem a extradição à existência de um tratado, reconhecerão dito delito
como suscetível de extradição, com subordinação às normas legais pertinentes do
Estado requerido.
A extradição estará sujeita
às disposições previstas na Constituição e demais leis do Estado requerido.
ARTIGO VI
Quando um Estado Parte não
conceder a extradição, submeterá o caso às suas autoridades competentes, como se
o delito houvesse sido cometido no âmbito da sua jurisdição, para efeitos de
investigação e, quando for o caso, para fins de processo penal, em conformidade
com a sua legislação nacional. A decisão adotada por ditas autoridades será
comunicada ao Estado que tiver solicitado a extradição.
ARTIGO VII
A ação penal decorrente de
desaparecimento forçado de pessoas e a pena judicialmente imposta ao responsável
pelo delito não estarão sujeitas à prescrição.
Entretanto, quando existir
uma norma de caráter fundamental que impeça a aplicação da disposição do
parágrafo anterior, o prazo da prescrição deverá ser igual ao do delito mais
grave tipificado na legislação interna do respectivo Estado Parte.
ARTIGO VIII
Não se admitirá a atenuante
da obediência devida a ordens ou a instruções superiores que disponham,
autorizem ou encorajem o desaparecimento forçado. Toda pessoa que receba tais
ordens tem o direito e o dever de não obedecê-las.
Os Estados Partes
assegurar-se-ão ainda de que os agentes ou funcionários públicos encarregados da
aplicação da lei recebam a necessária educação sobre o delito de desaparecimento
forçado de pessoas.
ARTIGO IX
Os suspeitos do delito de
desaparecimento forçado de pessoas só poderão ser julgados pelas jurisdições do
direito comum competentes em cada Estado, com exclusão de toda jurisdição
especial, em particular a militar.
Os fatos constitutivos do
desaparecimento forçado não poderão ser considerados como cometidos no exercício
das funções militares.
Não se admitirão
privilégios, imunidades ou dispensas especiais em tais processos, sem prejuízo
das disposições constantes na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas.
ARTIGO X
Em nenhum caso poder-se-ão
invocar circunstâncias excepcionais, tais como estado de guerra ou ameaça de
guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública,
como justificativa do desaparecimento forçado de pessoas. Em tais casos, o
direito a procedimentos ou recursos judiciais rápidos e eficazes será conservado
como meio de se determinar o paradeiro das pessoas privadas de liberdade ou o
seu estado de saúde, ou para individualizar a autoridade que ordenou a privação
da liberdade ou a efetivou.
Na tramitação dos ditos
procedimentos ou recursos e de acordo com o direito interno respectivo, as
autoridades judiciais competentes terão livre e imediato acesso a todo centro de
detenção e a cada uma das suas dependências, assim como a todo lugar onde
suspeite-se possa estar a pessoa desaparecida, inclusive lugares sujeitos à
jurisdição militar.
ARTIGO XI
Toda pessoa privada de
liberdade deve ser mantida em lugares de detenção oficialmente reconhecidos e
apresentada sem demora, conforme a legislação interna respectiva, a uma
autoridade judicial competente.
Os Estados Partes
estabelecerão e manterão registros oficiais atualizados sobre seus detentos e,
em conformidade com a sua legislação interna, coloca-los-ão a disposição dos familiares, juízes,
advogados, qualquer pessoa com interesses legítimos e outras autoridades.
ARTIGO XII
Os Estados Partes
cooperarão reciprocamente na busca, identificação, localização e restituição de
menores que tenham sido transladados a outro Estado ou retidos neste, em
conseqüência do desaparecimento forçado de seus pais, tutores ou guardiães.
ARTIGO XIII
Para os efeitos da presente
Convenção, o trâmite das petições ou comunicados apresentados perante a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos em que se alegue o desaparecimento forçado de
pessoas, estará sujeito aos procedimentos estabelecidos na Convenção Americana
sobre Direitos Humanos e nos Estatutos e Regulamentos da Comissão e da Corte
Interamericana de Direitos Humanos, incluindo as normas relativas a medidas
cautelares.
ARTIGO XIV
Sem prejuízo do disposto no
artigo anterior, quando a Comissão Interamericana de Direitos Humanos receber
uma petição ou comunicado sobre um suposto desaparecimento forçado,
dirigir-se-á, através da sua Secretaria Executiva, de forma urgente e
confidencial, ao respectivo governo, solicitando-lhe que proporcione, com a
brevidade possível, informação sobre o paradeiro da pessoa supostamente
desaparecida e demais informações que julgar pertinentes, sem que tal
solicitação implique em prejuízo à admissibilidade do pedido.
ARTIGO XV
Nada do estipulado na
presente Convenção será interpretado em sentido restritivo de outros tratados
bilaterais ou multilaterais ou outros acordos subscritos pelas Partes.
Esta Convenção não se
aplicará a conflitos armados internacionais regidos pelo Convênio de Genebra de
1949 e pelo Protocolo relativo à proteção dos feridos, enfermos e náufragos das
forças armadas, e a prisioneiros e civis em tempo de guerra.
ARTIGO XVI
A presente Convenção está
aberta à assinatura dos membros da Organização dos Estados Americanos.
ARTIGO XVII
A presente Convenção está
sujeita a ratificação. Os instrumentos de ratificação serão depositados na
Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos.
ARTIGO XVIII
A presente Convenção está
aberta à adesão de qualquer outro Estado. Os instrumentos de adesão serão
depositados na Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos.
ARTIGO XIX
Os Estados poderão formular
reservas à presente Convenção no momento de firmá-la, ratificá-la ou aderir a
ela, sempre que não sejam incompatíveis com o objeto e propósito da Convenção e
versem sobre uma ou mais disposições específicas.
ARTIGO XX
A presente Convenção
entrará em vigor para os Estados ratificantes no
trigésimo dia a partir da data em que for depositado o segundo instrumento de
ratificação.
Para cada Estado que
ratifique essa Convenção ou que venha a aderir a ela depois de ter sido
depositado o segundo instrumento de ratificação, a Convenção entrará em vigor no
trigésimo dia a partir da data em que tal Estado haja depositado seu instrumento
de ratificação ou adesão.
ARTIGO XXI
A presente Convenção
vigorará por prazo indeterminado, porém qualquer dos Estados Partes poderá
denunciá-la. O instrumento de denúncia será depositado na Secretaria Geral da
Organização dos Estados Americanos. Transcorrido um ano, contado da data do
depósito do instrumento de denúncia, a Convenção cessará em seus efeitos para o
Estado Parte denunciante, permanecendo em vigor para os demais Estados Partes.
ARTIGO XXII
O instrumento original da
presente Convenção, cujos textos em espanhol, francês, inglês e português são
igualmente autênticos, será depositado na Secretaria Geral da Organização dos
Estados Americanos, que enviará cópia autêntica de seu texto, para seu registro
e publicação, à Secretaria das Nações Unidas, em conformidade com o artigo 102
da Carta das Nações Unidas. A Secretaria Geral da Organização dos Estados
Americanos notificará aos Estados membros da dita Organização e aos Estados que
aderiram à essa Convenção, as assinaturas e os depósitos de instrumentos de
ratificação, adesão e denúncia, assim como as reservas que houverem sido feitas.