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AÉREO: para especialistas em direito do consumidor, mudanças não garantem redução de preços

Publicado em 16/01/2017 12:50 - Última atualização em 03/02/2022 11:37

Anac: para especialistas em direito do consumidor, mudanças não garantem redução de preços*

As propostas de mudanças nas condições de transporte aéreo, anunciadas nesta terça-feira pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), dividiram a opinião dos especialistas em direito do consumidor. Para alguns, as novas medidas são vistas como um retrocesso, em especial a que muda para 24 horas o direito de arrependimento, contrariando o que diz o Código de Defesa do Consumidor. Para outros, alguns pontos podem ser benéficos para o consumidor.

Para Claudia Silvano, dirigente do Procon-PR e presidente da Associação Brasileira de Procons (Proconsbrasil), as novas regras da Anac são um retrocesso inaceitável para o consumidor, ainda mais na atual situação econômica do país. Ela ressalta ainda que não há clareza quanto aos mecanismos que garantam algum tipo de compensação para o consumidor de que o valor das passagens irá diminuir.

— Além disso, em caso de desistência por parte do passageiro, os prazos propostos pela Anac de até 24 horas, com antecedência mínima de sete dias da data do embarque, são menos benéficos do que aquele previsto pelo Código de Defesa do Consumidor, que é de sete dias — avalia Claudia.

A dirigente informa que ainda não sabe qual medida os Procons irão tomar com relação às novas regras, e que uma das possibilidades é ir à Justiça:

— O brasileiro não está preparado para este tipo de mudança, ainda mais no momento em que vivemos no país.

Mudanças trazem insegurança

Diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), do Ministério da Justiça,André Luiz Lopes dos Santos, afirma que, como qualquer mudança, as anunciadas nesta terça-feira pela Anac geram apreensão e insegurança, pois abrangem muitos aspectos da aviação civil. Por isso, afirma, diante de tudo o que vem sendo colocado, é preciso haver uma cobrança muito forte sobre as empresas, principalmente em dois aspectos: para que seja feita uma campanha de comunicação e orientação dos consumidores e um treinamento preciso das equipes que vão fazer o contato direto com os consumidores.

— As empresas vão poder adotar ou não essas novas regras. Vai depender da política de cada uma, e elas vão precisar comunicar isso muito bem, pois afeta diretamente a vida dos usuários. Além disso, vão precisar treinar com cuidado os funcionários que estarão diariamente em contato com o cliente, sejam de vendas ou que atuem no aeroporto. Este é o grande desafio que se coloca de cara para as companhias aéreas.

Santos ressalta que, já que a norma deixa margem para as empresas adotarem práticas diferentes, precisa ficar muito claro como as companhias vão se apropriar dessas regras e oferecer os serviços ao consumidor.

— Como temos três meses pela frente para as novas regras entrarem em vigor, dá tempo para as empresas fazerem um bom trabalho, e preparar bem a equipe para essas mudanças na ponta — completa Santos, ressaltando que está surgindo uma oportunidade de as companhas aéreas agirem corretamente e melhorar os serviços. — As novas regras abrem uma margem de as empresas terem uma conduta melho. Uma oportunidade de separar o joio do trigo. Quem usar mal, tem que sofrer as consequências. Quem usar bem, vai ganhar mercado. E a gente vai ficar de olho.

Advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Claudia Almeida apontou como positivo o fato de as empresas continuarem obrigadas a dar assistência em casos de atraso e cancelamento de voo, ao contrário do que pretendiam as companhias. Segundo ela, a manutenção desta obrigação só foi possível depois de a agência reguladora ser pressionada pelos órgãos de defesa do consumidor nos encontros onde foram discutidas as novas regras.

A decisão também é aplaudida por Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Proteste — Associação de Consumidores, que a vê como um grande avanço, já que o passageiro que tiver problemas de atraso ou cancelamento de seu voo não vai ficar à deriva, mas sim sob a responsabilidade da companhia aérea.

— Em nenhum país, há este tipo de assistência. Foi um grande avanço e uma conquista dos órgãos de defesa do consumidor, que lutaram por sua manutenção.

Cobrança pelo transporte de bagagem

Diretor do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon), José Augusto Peres vê com preocupação a liberação de cobrança pelo transporte de bagagem, pois estabelece a possibilidade de aumentarem casos de abusos de preços as passagens aéreas e serviços a elas associados.

— Esperar que acreditemos em bom senso por parte das empresas é muito. Nossas companhias aéreas não são conhecidas por praticarem preços amigáveis para com os consumidores. Pelo contrário. A falta de uma concorrência com companhias aéreas internacionais, fazendo voos internos é de grande auxílio à prática de abusos contra os consumidores e, de modo algum, podemos estar otimistas quanto a uma hipotética baixa de custos.

O diretor do Brasilcom lembra que a Anac justificou a medida alegando que 35% dos passageiros costumam viajar apenas com bagagens de mão:

— Em outras palavras, se houver um custo menor das passagens, será para esse contingente de 35%, enquanto que para a maioria dos passageiros (65%) que já voa despachando bagagens, ao que tudo indica, haverá um aumento nos custos do transporte aéreo. Eis a lógica da Anac: beneficiamos 35% e viabilizamos um maior lucro das companhias, vendendo “quilos de bagagens” para 65% dos passageiros— avalia o especialista.

Maria Inês Dolci, por sua vez, afirma que o transporte de bagagem é um serviço com qualquer outro e vai depender da companhia reduzir ou não o volume permitido das bagagens e, também, sua cobrança:

— As empresas podem não cobrar. Vai ser uma questão da companhia entender que faz parte de sua boa política com relação ao usuário, o que ajuda na concorrência. Quanto à diminuiçãodo peso das malas, será uma liberalidade da empresa. Somos um dos poucos países que permite bagagens com 32 quilos. As companhias estão mais atentas a essa questão de redução do peso nos aviões, o que ajuda a reduzir o gasto de combustível e a emissão de gases poluentes, atendendo às recomentações da reunião sobre clima, realizada em Paris.

Quanto ao ponto referente à bagagem de mão, a advogada do Idec lembra que a Anac só fala em volume da bagagem, mas não informa que o tamanho da mala será o mesmo e o espaço destinado às bagagens de mão não aumentou:

— Esta regra não representa nenhuma diferença para o consumidor, pois não poderá carregar a bordo duas malas nem um volume maior. O tamanho da mala será o mesmo, e a única diferença é no peso. Não venho nenhuma vantagem neste ponto.

O diretor do DPDC lembra que a mudança relacionada às bagagens de mão vai ter um impacto grande na operação em si, pois não há na norma nada explícito sobre como adaptar as estruturas para atender às mudanças de rotina nos aeroportos:

— Hoje, temos as franquias e, se a bagagem estiver fora do padrão, despacha e pronto. Como será quando houver a cobrança? Como e onde vai ser feito o controle de se a bagagem atende ao novo padrão? O passageiro que estiver com bagagem de mão e esta não atender ao padrão vai ter que ir para outro setor fazer a checagem e perder o voo? Vai ser impactante para o dia a dia do aeroporto. O maior potencial de atrito está justamente nas coisas que parecem miúdas, mas na verdade não são.

Ainda sobre a franquia de bagagem, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) entende, no entanto, que não existe garantia sobre a redução do preço da passagem e que não há regulação de como isso seria ofertado ao consumidor, o que poderia confundi-lo na hora da compra.

— Quanto seria cobrado por quilo de bagagem? Na hora de pesquisar o custo de uma passagem aérea, o consumidor teria acesso ao valor do quilo da mala que será despachada? Nenhum desses pontos estava especificado na minuta disponibilizada pela Anac aos órgãos de defesa do consumidor”, diz a advogada do Idec, Claudia Almeida, que também comentou a questão de desistência da compra de passagens sem taxa em até 24 horas.

— O Idec reforça que o direito de arrependimento já está previsto no artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor. Na avaliação do Instituto, as companhias aéreas devem obedecer a lei que diz que o prazo é de sete dias para o cancelamento de compras realizadas fora do estabelecimento comercial (telefone ou internet).

Afronta ao CDC

Peres destaca que, nesta questão, o que a Anac fez foi reduzir o prazo de sete dias para um dia o direito de arrependimento do consumidor, e quem ganhou com isso foram as companhias aéreas:

— Apenas para os casos de passagens compradas diretamente nas lojas físicas das companhias aéreas, pode-se falar em algum benefício para o consumidor. Mas hoje em dia o percentual de compras de passagens em lojas físicas é bem menor do que as compras via internet ou mesmo por telefone. Nestes casos, o CDC garante um prazo de arrependimento de sete dias.

Para o deputado Júlio Delgado (PSB-MG), as novas regras anunciadas pela Anac são uma afronta à Lei de Defesa do Consumidor, principalmente o item sobre direito do consumidor se desfazer da compra da passagem,

— A legislação em vigor estabelece que o consumidor tem prazo de até sete dias para desistir a compra — afirma o parlamentar, que na última quarta-feira protocolou na Mesa da Câmara dos Deputados uma moção de repúdio contra as novas normas do setor aéreo aprovadas pela Anac. — Não podemos aceitar que a Lei de Defesa do Consumidor, uma conquista dos brasileiros, seja alterada por resolução e sem uma prévia discussão com a sociedade”, disse Júlio, que conseguiu reunir assinaturas para o documento de líderes e vice-líderes de quase todos os 27 partidos representados no Congresso Nacional.

Além do direito de arrependimento, o texto da moção de repúdio apresentada por Delgado critica outros pontos da nova resolução da Anac, tais como a limitação de indenização nos casos de perda ou extravio de bagagem e a eliminação da franquia de bagagem despachada, sem qualquer garantia de redução do preço das passagens.

Para o deputado, a Câmara dos Deputados não pode ser omissa com relação às novas condições do transporte aéreo .

— Não podemos aceitar nenhum tipo de violação aos direitos adquiridos pelos brasileiros com o Código de Defesa do Consumidor — ressalta o parlamentar.

Extavio de bagagens

Sobre as regras em relação a extravio, o diretor da Brasilcon diz que estamos diante de um completo absurdo e que estas estão em total desacordo com o Código de Defesa do Consumidor. Por isso, afirma, deverão ser alvo de questionamentos no Judiciário:

—Imagine o passageiro chegar em um país estranho, sem falar a língua, e sem as malas. Terá que sair do hotel, comprar roupas, calçados e objetos de higiene pessoal, gastando recursos do próprio bolso, sem saber se e quando sua mala chegará. Caso ele tenha se programado para passar, digamos, 15 dias no destino, ou compra roupas na quantidade necessária, ou ainda terá custos com lavanderia. Caso a mala dele “apareça” após 20 dias do extravio (ele já em casa), a companhia aérea não lhe deverá nada. Nem um pedido de desculpas.

A questão de indenização quando houver avaria ou extravio de bagagem é outro ponto preocupante, na opinião do diretor do DPDC. A proposta inicial das empresas era que se prefixasse os valores de indenização, seguindo o exemplo seguido no mundo inteiro, que se baseia da Convenção de Varsóvia. No entanto, diz Santos, isso vai de encontro ao Código de Defesa do Consumidor, que determina que, se houver vício na prestação de serviço, a reparação deve ser integral.

— Não dá para restringir um comando do CDC com base na regulação. As empresas querem alinhar a norma com a Convenção de Varsóvia, pois no mundo inteiro é assim, enquanto que no Brasil a regra é outra. Mas entendemos que a indenização, nestes casos, deve ser integral. 
 

O diretor do DPDC informou que a Anac é a primeira agência reguladora a aderir à plataforma Consumidor.gov. Com a adesão, a Anac poderá, a partir das novas regras entrarem em vigor, monitorar o que acontece com o setor aéreo através da fala do consumidor, sem filtros:

— Vai ser importante para o regulador entender o que as mudanças na regulação estão causando na vida dos consumidores. a plataforma dá oportunidade ao órgão regulador enxergar em rempo real o impacto das regras no dia a dia do consumidor, para acompanhar se as medidas estão sendo efetivas da forma esperada e, no caso de problemas, agir com rapidez para resolver os problemas.

Fonte: Notícias no site do Instituto Brasilcon.

*Matéria originalmente publicada no O Globo de 13 de dezembro de 2016.