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Notícias

Impunidade e investigação

Publicado em 20/02/2013 13:05 - Última atualização em 03/02/2022 11:38


A Constituição cidadã de 1988 incumbiu ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Também compete ao Ministério Público, privativamente, formalizar a acusação criminal perante o Poder Judiciário, nas ações penais públicas.

Por ser o responsável pela ação penal, o MP, na quase totalidade dos países do mundo, dirige, supervisiona ou participa da investigação criminal. A prevalecer a proposta de emenda constitucional que impede promotores de investigar, chegaríamos ao absurdo lógico de que aquele que tem o poder de processar não pode colher provas diretamente para formar sua convicção e passaria a depender exclusivamente daquilo que fosse produzido pelo próprio Estado, por meio da atuação de suas polícias (civis ou federal).

As razões que alimentam a Proposta de Emenda Constitucional nº 37, batizada de PEC da Impunidade, não nos convence, seja porque implicaria grave retrocesso, seja porque não permitiria a valorização das carreiras policiais. O argumento de que às polícias cabe investigar com absoluta exclusividade acaba por expor essas instituições a responsabilidade ainda maior, implicando uma centralização descabida no contexto atual e incompatível com o sistema constitucional.

Importante ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, a quem compete dizer o que é ou não constitucional, ao analisar a Ação Penal 470, o processo do mensalão, validou todas as provas produzidas pela Procuradoria da República, com base nas quais condenou a maioria dos réus. Sem a atuação do Ministério Público não haveria a completa investigação e condenação nesse caso tão paradigmático para os novos tempos da República.

Devemos destacar, igualmente, que, conforme determina a Constituição, o Ministério Público deve exercer o controle externo da atividade policial. Pois bem, os promotores apresentam suas ações perante o Poder Judiciário e caberá aos juízes avaliar e validar, ou não, as provas por eles apresentadas, realizando assim o controle de legalidade e constitucionalidade dessas. É perante o Judiciário que se estabelece o contraditório e a ampla defesa.

Além da fiscalização judicial de sua atuação, existe o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que exerce o controle externo de todos os ramos do MP, aberto à reclamação de qualquer cidadão. A atuação dos membros do Ministério Público é duplamente fiscalizada: pelo Judiciário e pelo CNMP. Pois bem, se a PEC nº 37 for aprovada, só a polícia poderá investigar e o MP simplesmente não terá condições mínimas de exercer com efetividade seu papel constitucional de controle externo da atividade policial; porque só a polícia poderá investigar a polícia e, infelizmente, muitos casos de abusos policiais, corrupção, omissão poderão ficar sem a devida responsabilização.

Mais do que uma pauta da cidadania, essa também é uma questão de defesa dos direitos humanos. Importante consignar, outrossim, que o MP conta com autonomia institucional em relação aos Poderes da República e seus membros têm a prerrogativa da inamovibilidade de seus cargos, o que é fundamental para uma atuação livre e desembaraçada, imune às pressões dos poderes político e econômico. As polícias Civil e Federal, por seu lado, estão subordinadas direta e hierarquicamente aos chefes do Poder Executivo — governadores de Estado e presidente da República. Assim sendo, podem ser removidos dos cargos ou de investigações sem qualquer justificativa dos chefes.

Pergunta-se: e quando os desmandos, atos de corrupção etc. forem praticados pelos detentores do poder ao qual as polícias estão subordinadas, e esses pressionarem para embaraçar tais apurações? Somente um Ministério Público independente terá condições de realizar as investigações. O MP não quer, e nunca quis, a exclusividade da investigação criminal. O que se deseja é a atuação integrada com as polícias, porque isso fortalece a apuração dos malfeitos e leva a um combate mais eficiente da corrupção.

A quem interessa, realmente, que os promotores e procuradores também não possam investigar? A PEC nº 37 é um retrocesso injustificável em um país que começa a engatinhar na probidade administrativa. Atenta contra o princípio republicano, o princípio da eficiência e da transparência da administração pública, e mais, ofende a democracia, que se consolida com a descentralização dos poderes.

Por WILSON TAFNER Promotor de Justiça de São Paulo e assessor da Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo.
Fonte: Jornal “Correio Braziliense” de 07/02/2013.