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Jurisprudência 3: MPE x Estado do Maranhão

Publicado em 23/07/2013 12:07 - Última atualização em 03/02/2022 11:30

APELAÇÃO CÍVEL Nº 8983/2013 (0002381-73.2010.8.10.0002) – SÃO LUÍS Apelante : Ministério Público Estadual Promotor : Marcio Thadeu Silva Marques Apelado : Estado do Maranhão Procurador : Marco Antonio Guerreiro Relator : Desembargador Kleber Costa Carvalho

DECISÃO: Trata-se de apelação cível interposta pelo Ministério Público Estadual em face da sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara da Infância e da Juventude da Comarca de São Luís, nos autos da ação civil pública movida em desfavor do Estado do Maranhão, ora apelado, que julgou improcedente a pretensão autoral, por entender que a tutela das crianças e dos adolescentes quando em acesso a presídios e casas de detenção, encerra-se na competência das autoridades de segurança pública criminal e do juízo responsável pela execução penal. Consta da inicial que a ação civil pública funda-se nas informações obtidas durante investigação realizada pelo Parquet, a partir de notícias ventiladas em veículos de comunicação, cujo resultado confirmou a entrada de menores no Complexo Penitenciário de Pedrinhas para realização de visitas íntimas a detentos. Em suas razões recursais, o apelante sustenta, em síntese, a impossibilidade de julgamento de improcedência com base no art. 285-A do CPC – face à necessidade de produção de provas -, bem assim o equívoco da sentença vergastada quanto ao objeto da ação. Sem contrarrazões. A Procuradoria de Justiça opinou pelo provimento do apelo. É o relatório. Decido. Preambularmente, valho-me da prerrogativa constante do art. 557, § 1º-A, do CPC para decidir monocraticamente o presente apelo. Com efeito, já há jurisprudência firme nesta Corte e nos Tribunais Superiores acerca dos temas trazidos a este segundo grau. Destaco, desde logo, que o princípio da proteção integral da criança e do adolescente foi devidamente positivado pelo legislador constituinte, exigindo de toda sociedade e do Poder Público, a implementação de medidas educativas, preventivas e protetoras, in verbis: Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação da EC 65/2010) (grifei)   Em verdade, embora esse imperativo constitucional estabeleça norma programática, em razão da essencialidade do bem jurídico tutelado – a higidez dos menores -, a Suprema Corte já assentou a obrigatoriedade do Estado em promover políticas públicas com vistas à concretização dos direitos que esse dispositivo encerra, ipsis litteris: É preciso assinalar, neste ponto, por relevante, que a proteção aos direitos da criança e do adolescente (CF, art. 227, caput) – qualifica-se como um dos direitos sociais mais expressivos, subsumindo-se à noção dos direitos de segunda geração (RTJ 164/158-161), cujo adimplemento impõe ao Poder Público a satisfação de um dever de prestação positiva, consistente num facere (…). (…) o STF, considerada a dimensão política da jurisdição constitucional outorgada a esta Corte, não pode demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais, que se identificam – enquanto direitos de segunda geração – com as liberdades positivas, reais ou concretas (RTJ 164/158-161, Rel. Min. Celso de Mello). É que, se assim não for, restarão comprometidas a integridade e a eficácia da própria Constituição, por efeito de violação negativa do estatuto constitucional motivada por inaceitável inércia governamental no adimplemento de prestações positivas impostas ao Poder Público, consoante já advertiu, em tema de inconstitucionalidade por omissão, por mais de uma vez (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. Celso de Mello), o STF (…). Tratando-se de típico direito de prestação positiva, que se subsume ao conceito de liberdade real ou concreta, a proteção à criança e ao adolescente – que compreende todas as prerrogativas, individuais ou coletivas, referidas na Constituição da República (notadamente em seu art. 227) – tem por fundamento regra constitucional cuja densidade normativa não permite que, em torno da efetiva realização de tal comando, o Poder Público, especialmente o Município, disponha de um amplo espaço de discricionariedade que lhe enseje maior grau de liberdade de conformação, e de cujo exercício possa resultar, paradoxalmente, com base em simples alegação de mera conveniência e/ou oportunidade, a nulificação mesma dessa prerrogativa essencial, tal como já advertiu o STF (…). O caráter programático da regra inscrita no art. 227 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – impõe o reconhecimento de que as normas constitucionais veiculadoras de um programa de ação revestem-se de eficácia jurídica e dispõem de caráter cogente. (…). (RE 482.611, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 23/03/2010, DJE de 07/04/2010) (grifei)   Não há, portanto, no meu sentir, como consignado na sentença vergastada, ingerência do Poder Judiciário, ao examinar e julgar a ação civil pública, diante das omissões ou ineficiências do Executivo em, por meio dos seus órgãos e agentes da administração penitenciária, controlar e regulamentar, de forma efetiva, o acesso de crianças e adolescentes à penitenciária e às casas de detenção do Estado. Essa, a única conclusão que posso chegar, seja em razão do princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CF), seja em função dos valores jurídicos envolvidos, todos circunscritos à tutela dos menores. Nesse diapasão, lembro um trecho de decisão proferida pela Mina. Carmen Lúcia, in verbis: Qualquer lesão ou ameaça a direito trazida ao Poder Judiciário impõe ao juiz o seu dever de julgar, dando pleno cumprimento não apenas ao inc. XXXV da Constituição – o que não apenas é perfeitamente compatível com o art. 2º, daquela Lei Fundamental, como a outorga de seu dever em benefício do indivíduo -, como dotando de instrumento judicial o princípio da efetividade constitucional e legal. Na espécie em pauta, ao argumento de imiscuir-se na autonomia do ente público não pode renunciar o magistrado ao seu dever constitucional de assegurar a efetividade da lei, garantindo a proteção que a infância e a juventude requerem, sob pena de omitir-se sobre direito ao qual a Constituição da República garantiu “absoluta prioridade” (art. 227). (AI 583136-SC, Rela. Mina. Cármen Lúcia, decisão monocrática, julgado em 11/11/2008, DJe-223 24/11/2008) (grifei)   A propósito, mutatis mutandis, esse é o resultado semelhante da hermenêutica realizada pelo STF acerca da norma insculpida no art. 208, IV, da CF, reconhecendo a existência de direito subjetivo público de crianças até cinco anos de idade ao atendimento em creches e pré-escolas, bem assim a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário com vistas à efetivação desse direito constitucional (ARE 639.337-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, julgado em 23/08/2011, DJE 15/09/2011; RE 464.143-AgR, Rela. Mina. Ellen Gracie, 2ª Turma, julgado em 15/12/2009, DJE 19/02/2010; RE 554.075-AgR, Rela. Mina. Cármen Lúcia, 1ª Turma, julgado em 30/06/2009, DJE 21/08/2009). Não existe, por conseguinte, qualquer obstáculo à judicialização das questões postas na ação civil pública interposta pelo Parquet, que, dentre outras, estão a proibição de ingresso de crianças e adolescentes em estabelecimentos prisionais (ressalvas algumas exceções) – com especial atenção para as visitas íntimas -, a regulamentação da forma de fiscalização do controle de acesso desses menores, revisão das autorizações judiciais (e administrativas) para ingresso dos impúberes nas prisões, bem como a apuração da responsabilidade criminal dos agentes envolvidos nas eventuais falhas. Esse leque de pretensões do Ministério Público maranhense, que fixa os limites objetivos da lide, permite-me alcançar duas ilações. A primeira diz com a competência do Juízo da Vara Infância e Juventude, notadamente quando incluído no escopo da ação o estabelecimento de critérios para a visita íntima de menores a presos, situação distinta do direito a receber visitas (íntimas ou não) dos detentos, cuja competência seria do Juízo da Vara de Execuções Penais (Agravo de Instrumento nº 70017000746-RS, Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, TJRS, 7ª Câmara Cível, julgado em 25/09/2006, DJ 03/10/2006; Apelação cível nº 101.932-6/188, Rel. Des. Alan Sebastião de Sena Conceição, TJGO, 4ª Turma Julgadora da 2ª Câmara Cível, julgado em 02/01/2007). Acrescento, no ponto, que o Provimento nº 05/2011 da Corregedoria Geral da Justiça estabelece a competência do juiz da execução penal para apreciar os pedidos de visitas de crianças e adolescentes a presos recolhidos em estabelecimentos prisionais, o que não afasta a possibilidade de o Juízo a quo (Infância e Juventude) examinar o presente litígio, que tem como objetivo fixar obrigações de diversas naturezas ao Estado do Maranhão (não fazer, fazer/regulamentar, fazer/punir, pagar/indenizar). A segunda conclusão refere-se à necessidade de realização de instrução probatória, com, pelo menos, a apresentação de contestação e a oitiva de testemunhas, de modo a assegurar o aclaramento dos fatos, bem como a obtenção de dados necessários ao julgamento da lide e, especialmente, ao conhecimento da real situação do acesso de menores aos estabelecimentos penais do Estado do Maranhão. É que “com ação aviada pelo Ministério Público, pode ser pertinente saber a posição da pessoa jurídica sobre os fatos (negando ou afirmando a existência de ato ímprobo), de modo a contribuir para a instrução do feito e esclarecimento da verdade processual, tudo conforme a controvérsia posta nos autos” (REsp 1263538-BA, Rel. Min. Herman Benjamin, STJ, 2ª Turma, julgado em 16/02/2012, DJe 07/03/2012). Com amparo nesses fundamentos, na forma do art. 557, § 1º-A, do CPC, nos termos da jurisprudência dos Tribunais Superiores, e de acordo com o parecer do Ministério Público, deixo de apresentar o recurso à Primeira Câmara Cível para, monocraticamente, DAR PROVIMENTO ao apelo, para anular a decisão e determinar o regular processamento do feito, a partir da instrução processual. Publique-se. São Luís (MA), 04 de julho de 2013.     Desembargador Kleber Costa Carvalho                                                                                                                                          Relator